Como lidar com as incertezas dos negócios

“Incerteza é a consequência de nosso incompleto conhecimento sobre o mundo.” – Mcnamee e Celona

Em 1921 Knight já havia escrito um livro que trata de incerteza, risco e lucro. Nele, o autor diferencia o risco econômico da incerteza, dizendo que as situações de risco são aquelas nas quais os resultados são desconhecidos, mas regidos por distribuição de probabilidades conhecidas desde o início. Ele argumenta que nessas situações, regras, tais como a maximização da utilidade esperada, podem ser aplicadas na tomada de decisão. Isso é muito diferente em situações de incerteza, nas quais nem os resultados, nem os modelos de probabilidade regidos por elas são conhecidos.

Mcnamee e Celona argumentam que em muitos casos importantes, a informação completa simplesmente não está disponível ou é muito cara para se obter, quer seja em tempo, dinheiro, ou outros recursos.

Para Dyer, Furr, N., & Lefrandt, nos novos empreendimentos de tecnologia da informação, a maioria dos empreendedores enfrentam dois tipos principais de incerteza: a de demanda, “Poderão os clientes pagar pelo produto/solução da startup?”; e a tecnológica, “Será a startup capaz de fazer uma solução desejável?”.

Rice e O’Connor observaram que equipes de projetos inovadores radicais lidam com quatro categorias de incerteza: técnicas, mercadológicas, organizacionais e de recursos:

  • As incertezas técnicas referem-se: a integralidade e exatidão do conhecimento científico subjacente; a medida em que as especificações técnicas do produto podem ser implementadas; a confiabilidade dos processos de fabricação, manutenção, etc.
  • As incertezas de mercado incluem: o grau em que as necessidades e desejos dos clientes são claros e bem compreendidos; a medida em que as formas convencionais de interação entre o cliente e o produto podem ser usadas; a adequação dos métodos convencionais de vendas, distribuição e modelos de receita; e a compreensão da equipe do projeto da relação entre a inovação revolucionária e a dos produtos concorrentes.
  • As incertezas organizacionais incluem: a falta de continuidade e persistência,; inconsistência nas expectativas e métricas; mudanças de parceiros; mudanças internas e externas de compromisso estratégico; e o desafio de gerenciar a transição do projeto de inovação para operação.
  • As incertezas de recursos surgem com as equipes de projeto continuamente lutando para atrair os recursos requeridos. O financiamento externo pode fazer a diferença entre a continuidade do projeto e o cancelamento. Recursos incluem não só os financeiros, mas também os de competências.

Jetter, considera quatro tipos de incertezas: incertezas de mercado, incertezas tecnológicas, incertezas sobre disponibilidade e alocação de recursos e incertezas sobre o ambiente externo em geral, seja econômico, ecológico, social ou político. A incerteza ambiental pode afetar o conceito do produto diretamente, por exemplo, restringindo a produção do novo produto devido a uma nova legislação, ou indiretamente, influenciando as incertezas comerciais e técnicas, por exemplo, mudanças nos requisitos do cliente decorrentes da redução de renda devido a declínios econômicos.

Incertezas nas fases Fuzzy Front-End do Desenvolvimento de Novos Produtos

Kim e Wilemon, definem como Fuzzy Front-End (FFE) a etapa de pré-desenvolvimento, período entre quando uma oportunidade é primeiramente considerada e quando uma ideia é julgada pronta para o desenvolvimento. Nesse período, a organização formula um conceito de produto e determina se deve ou não investir recursos no desenvolvimento da ideia. A FFE é intrinsecamente sem rotina, dinâmica e incerta.

A incerteza é extremamente alta no FFE, quando a ideia do produto é gerada pela primeira vez. Posteriormente, com o uso de métodos, técnicas e ferramentas apropriadas ela é reduzida a um nível que permite uma decisão de “Ir / Não-ir” para a fase de desenvolvimento.

No entanto, segundo Jetter, em ambientes a incerteza prevalece ao longo de todo o processo de desenvolvimento de novos produtos (DNP), isso porque as mudanças no ambiente externo levantam novas questões e infligem novos níveis de incerteza, conforme podemos ver na linha 2 da Figura abaixo.

O desafio da incerteza ao longo do ciclo de vida do produto

O desafio da incerteza ao longo do ciclo de vida do produto

Fonte: Traduzido de Jetter (2003)

Lidando com as incertezas

Para Loch, Solt e Bailey a disciplina de gestão de risco de projetos desenvolveu princípios de identificação, priorização e gestão de riscos – para prever, atenuar e agir de forma contingente – e incentivos de risco que podem lidar com a ambiguidade, desde que todos os fatores importantes (embora não os seus valores) e os conjuntos/intervalos de possíveis resultados sejam conhecidos. No entanto, estes conceitos não captam totalmente a incerteza imprevisível enfrentada por um novo negócio.

Novos empreendimentos muitas vezes não preveem corretamente as oportunidades reais de mercado ou a melhor maneira de resolvê-las, e nestes casos é crítico lidar com fatores imprevisíveis e inesperados que surgem e que requerem adaptação e modificação do negócio ao longo do tempo. Descobertas nos campos da inovação e gestão de projetos têm mostrado que lidar com o imprevisível requer abordagens de gestão diferentes dos utilizados no clássico planejar e alcançar o alvo dos projetos. As abordagens de gestão para novas iniciativas de negócios incluem uma combinação de aprendizagem por tentativa-e-erro, ou seja, a redefinição flexível do novo modelo de negócio a medida que novas informações emergem, e selecionismo, isto é, a execução de vários ensaios paralelos onde se escolhe a melhor alternativa depois de executar.

Para mostrar como os fatores de influência imprevisíveis de um novo empreendimento podem ser diagnosticados no início de suas atividades, Loch et al. com base em modelos da teoria da decisão, sugerem dividir o problema geral de estruturar o negócio em subproblemas para os quais a equipe de gestão possa identificar lacunas de conhecimento.

Usando um estudo de caso, Loch e coautores descrevem como foram identificadas lacunas de conhecimento em subproblemas de um novo empreendimento em uma situação real e como esse diagnóstico foi utilizado para identificar corretamente onde fatores desconhecidos se escondiam. Os subproblemas com fatores desconhecidos foram geridos com a aprendizagem e experimentação, ou seja, de forma diferente do que os outros subproblemas que são geridos com metas e prazos. Como resultado, o empreendimento poderia responder com êxito aos acontecimentos imprevisíveis. A Figura abaixo, apresenta de forma resumida o processo para diagnóstico de incertezas imprevisíveis proposto por eles.

Processo para diagnóstico de incertezas imprevisíveis

Processo para diagnóstico de incertezas imprevisíveis

Fonte: adaptada de Loch et al. (2008)

Considerando que as incertezas requerem um processo de aprendizagem, Rice e O’Connor sugerem um plano de aprendizagem e avaliação das incertezas técnicas, de mercado, organizacionais, e de recursos em projetos inovadores, conforme o Quadro que segue.

Plano de Aprendizagem e respectivas incertezas

Plano de Aprendizagem e respectivas incertezas

Fonte: Adaptado de Rice e O’Connor (2008)

Observação: O texto e diagramas acima foram levemente adaptados do original da minha dissertação de mestrado sobre “Métodos, Técnicas e Ferramentas para Inovação: conhecimento, uso e eficácia em empresas brasileiras”, disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-01122017-155036/pt-br.php

Design Thinking & Lean Startup

“Startup é uma instituição humana projetada para entregar um novo produto ou serviço em condições de extrema incerteza” – Eric Ries

Reduzir a incerteza é um dos princípios fundamentais de Lean Startup.” – Jennifer Maerz

As metodologias de Design Thinking e Lean Startup, que foram descritas de forma resumida em artigos anteriores deste blog, são muito úteis e se complementam no processo reduzir as incertezas que ocorrem durante as fases de desenvolvimento de novos produtos.

Tabela de Comparação entre Design Thinking e Lean Startup, considerando as similaridades e as diferenças:

Similaridades Diferenças
Foco de inovação: uma ideia deve ser: desejável (pelo cliente), viável (economicamente) e factível (tecnicamente). Escopo: o Lean surgiu com foco em Startups, enquanto que o Design Thinking tem um foco mais amplo.
Abordagem centrada no usuário: os dois métodos levam em conta o ponto de vista dos usuários e das partes interessadas. Iniciação e ideação do projeto: o Lean considera que uma ideia inicial já existe, enquanto que o Design Thinking começa com um problema a ser resolvido.
Teste de protótipos: para coletar feedback desde os primeiros estágios de desenvolvimento. Síntese da pesquisa de usuários: enquanto o Design Thinking concentra-se em pesquisa extensiva e possui métodos sofisticados de sintetização, o Lean não utiliza métodos de síntese ou estruturas qualitativas.
Interação rápida: a solução para o problema é desconhecida no começo. Modelo de Negócios: enquanto o Lean Startup sugere o uso do BMG, o Design Thinking não sugere nenhum modelo de design de negócios.

Fonte: Traduzido e Adaptado de Muller and Thoring (2012)

Um diagrama representativo do “Lean Design Thinking” que “soma” os aspectos das duas propostas estratégicas para inovação.

Design_Thinking-and-Lean_Startup

Outro diagrama que relaciona Design Thinking e Lean Startup.

How do Design Thinking and Lean Startup relate

A Importância da Mentoria em Negócios

Pode-se afirmar que Mentores de Negócios em suas conversas com os(as) empreendedores(as) devem considerar, entre outros assuntos estes dois temas:
1 – aquilo que tais empreendedores não sabem que não sabem, abrindo seus olhos para tal e sugerindo onde podem encontrar os conhecimentos que lhes faltam;
2 – ajudando-os(as) a identificar as incertezas (técnicas, mercadológicas e outras de seus negócios) e a transformá-las em riscos, ou seja, algo mais administrável.

A imagem abaixo, adaptada de  Ramasesh e Browning, mostra quatro fatores e respectivos sub-fatores relacionados com incertezas, complexidade, … e falta de conhecimento em projetos e gestão de riscos.

Unk Unks in Project Management

O uso de Machine Learning e Deep Learning na tomada de decisões

O uso da TI como ferramenta de apoio na tomada de decisão não é novidade, mas quando se trata de lidar com incertezas, a inteligência artificial tem contribuído, principalmente com Machine Learning e sua nova vertente Deep Learning, que facilitam a análise de grandes volumes e variedades de dados, permitindo fazer algumas previsões e até mesmo facilitar a tomada de decisão sob incertezas.

Machine Learning Building Blocks

Concluindo

Nos negócios inovadores é necessário tomar consciência das incertezas, identificar os tipos e buscar reduzi-las desde o início, dentro do possível, para poder tomar as melhores decisões e agir. Para isso, existem métodos, técnicas e ferramentas que podem ser usados ao longo do processo.

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Sobre o autor:

Nei Grando é diretor executivo da STRATEGIUS, teve duas empresas de tecnologia, é mestre em ciências pela FEA-USP com MBA pela FGV, organizador e autor do livro Empreendedorismo Inovador, é mentor de startups e atua como consultor, professor e palestrante sobre estratégia e novos modelos de negócio, inovação, organizações exponenciais, transformação digital e agilidade organizacional.

Detalhes: aqui, Contato: aqui.

Artigos acadêmicos de referência:

Dyer, J., Furr, N., & Lefrandt, C. (2014). The industries plagued by the most uncertainty. Harvard Business Review, digital article, 11.

Jetter, A. J. M. (2003, July). Educating the guess: strategies, concepts and tools for the fuzzy front end of product development. In Management of Engineering and Technology, 2003. PICMET’03. Technology Management for Reshaping the World. Portland International Conference on (pp. 261-273). IEEE.

Kim, J., & Wilemon, D. (2002). Focusing the fuzzy front–end in new product development. R&D Management, 32(4), 269-279.

Loch, C. H., Solt, M. E., & Bailey, E. M. (2008). Diagnosing unforeseeable uncertainty in a new venture. Journal of product innovation management, 25(1), 28-46.

McNamee, P., & Celona, J. (2007). Decision analysis for the professional. 4th Edition, SmartOrg, Incorporated.

Ramasesh, Ranga V.; Browning, Tyson R. (2014). A conceptual Framework for Tackling Knowable Unknown Unknowns in Projet Management.  Journal of Operations Management.

Rice, M. P., OConnor, G. C., & Pierantozzi, R. (2008). Implementing a learning plan to counter project uncertaintyMIT Sloan Management Review49(2), 54.

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